terça-feira, julho 25, 2006

 
DIA DO ESCRITOR

Numa passagem de Bernardo Soares, uma das personas criadas pelo poeta Fernando Pessoa, o autor critica certos magos que se exibem contando seus (inventados) feitos e poderes, mas que não sabem sequer dominar o básico da expressão escrita. E olha que o mestre português morreu bem antes de saber quem seria Paulo Coelho!! Tão nefasto quanto os assassinatos gramaticais e estilísticos, é o hermetismo, a torre de marfim em que tantos escritores se refugiam, crendo que dali conseguirão extrair elevadas literaturas. Esse fenômeno também não é novo, e para nos redimir um pouco de tudo isso fica aqui este trecho do ensaio Poesia e Composição, uma conferência de 1952, de um poeta supremo, o pernambucano João Cabral de Melo Neto, e que está no livro Prosa:

“Quando se escrevia para leitores, a comunicação era indispensável e foi somente quando o autor, com o desprezo desse leitor definido, começou a escrever para um leitor possível, que as bases do hermetismo foram fundadas. Porque neste momento, a tendência do autor foi a de identificar o leitor possível consigo mesmo (...) Na sua literatura existe apenas uma metade, a do criador. A outra metade, indispensável a qualquer coisa que se comunica, ele a ignora (...) Pois o homem que lê quer ler-se no que lê, quer encontrar-se naquilo que ele é incapaz de fazer”.

 
DESTINOS

Há 15 anos exatos, perdia, em São Borja, um dos meus avôs, o materno, na véspera de completar nove décadas de uma vida, num pampa gaúcho - parafraseando o poeta grego Seféris - que ainda me dói onde quer eu vá. Lembro de que Ele, vô, tão apegado ao jornal, qualquer jornal, e ao rádio, não se acostumava em ver TV. Acho que não seria diferente hoje com a Internet, blogs e toda parafernália digital que nos cerca (e até nos domina...). Gerações diferentes... E é num dos canais da minha que expresso minha saudade eterna:

Terra Natal

As demoradas horas de prosa
Com o avô e o pai
Fazem uma pausa
No café preto da tarde,
Pontualmente às dez para as quatro
Sorvido com bolachas.
Bolachas que trazem uma pausa
Às demoradas horas de prosa
À sombra dos angicos.
Pausa também na costura
Menos nas recomendações
Maternais
Que a gente tanto esquece
Pela vida inteira
E o tango
E o riso
Maternais
Que a gente não esquece, não!
E a terra natal fica assim
Minha Irmã, Rosa que não é
Só de sangue.
E a alma do cais.
E a alma dos campos de várzea.
E a alma da lavoura azul-turquesa
Do linho que não existe mais,
Mesmo rumo dos líricos 16 anos.
E fica algo mais da terra natal
No meu ouvir ‘causos’ sobre
O finado Getúlio
E na minha esperança irada
E no meu descontentamento
Pelo Hoje
E na minha poeira
Vermelha
E no retorno
À Poesia
De nosso destino
(Íntimo e azul)
De terra natal.

(Matheus Fontella)

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