terça-feira, outubro 10, 2006
FEIRA DO LIVRO
Ecos
Primavera quente na praça,
Os estandes de madeira todos montados,
Já expostas as traduções da raça,
Livros e Vida desencaixotados.
Ali bem perto, vários homens
Velhos amigos, novos aposentados
Fazem dos tabuleiros dólmens
Impressos na pedra dos anos passados.
Em compasso bem diverso,
Engraxates, no caixão diário sentados,
Oferecem serviço, limam o perverso
Desgaste dos sapatos desempregados.
No oposto da Praça da Alfândega,
Há outra multidão, porém de encantados,
Agora não pelos livros, apenas pela pândega
Arte de Picasso e assemelhados:
Arte que embriaga ou repulsa,
Primeiro como romances indicados
Na lista dos 10 mais e em que pulsa
A vida real ou momentos açucarados,
E em segundo, quando bate imediata repugnância,
O leitor não reconhece os predicados
Do artista e o fruidor fica com ânsia
É de estar entre os muitos nominados
Na capa destas edições bem-feitas,
Mas sabe que versos pincelados
Há 20 anos não tornam eleitas
Figuras como ele, que, aos sábados,
Não ganharão espaço nos Cadernos Bês.
Um tanto alheios aos bardos e não aos brados
Dos motores, dos cafés, das lojas e dos apês,
Anônimos andam acelerados, acelerados,
Correndo dos governos e pelos salários,
Ou, uns que outros, já cheirados,
Saem daquela galeria onde vários
Traficam, se prostituem, letrados
Em pó, ervas, gatilhos e orgasmos.
E, dentro da máquina dos mundializados,
Aqueles negrinhos têm espasmos
E não porque souberam, plugados
Na rede, que todos os negrinhos
Vão trocar os degraus dos sagrados
Templos pelas escadas que os sobrinhos
De tios ricaços e engravatados
Sobem atrás dessas garotas
De umbiguinhos, hum, delicados,
Complicadas e perfeitas, marotas
Desfilando nos corredores renovados
De prédios clássicos, históricos,
Sem ligar para telas, cinzelados
E os nuances das ruas, pictóricos
Menos que seus corpos burilados...
Para encerrar e já era hora
- Tá pra sair nova lista dos mais comprados -
O poeta volta para casa agora
E deixa livros, quadros e ruas assaltados.
(Matheus Fontella)
No dia 27 deste mês, começa mais uma Feira do Livro de Porto Alegre. O poema abaixo, 'Ecos', foi concebido quando circulava pelo centro da cidade, na Praça da Alfândega, durante a edição de 1999. À época, estavam em exibição, bem ali próximo, no Museu de Artes do Estado (Margs), desenhos de Pablo Picasso.
Ecos
Primavera quente na praça,
Os estandes de madeira todos montados,
Já expostas as traduções da raça,
Livros e Vida desencaixotados.
Ali bem perto, vários homens
Velhos amigos, novos aposentados
Fazem dos tabuleiros dólmens
Impressos na pedra dos anos passados.
Em compasso bem diverso,
Engraxates, no caixão diário sentados,
Oferecem serviço, limam o perverso
Desgaste dos sapatos desempregados.
No oposto da Praça da Alfândega,
Há outra multidão, porém de encantados,
Agora não pelos livros, apenas pela pândega
Arte de Picasso e assemelhados:
Arte que embriaga ou repulsa,
Primeiro como romances indicados
Na lista dos 10 mais e em que pulsa
A vida real ou momentos açucarados,
E em segundo, quando bate imediata repugnância,
O leitor não reconhece os predicados
Do artista e o fruidor fica com ânsia
É de estar entre os muitos nominados
Na capa destas edições bem-feitas,
Mas sabe que versos pincelados
Há 20 anos não tornam eleitas
Figuras como ele, que, aos sábados,
Não ganharão espaço nos Cadernos Bês.
Um tanto alheios aos bardos e não aos brados
Dos motores, dos cafés, das lojas e dos apês,
Anônimos andam acelerados, acelerados,
Correndo dos governos e pelos salários,
Ou, uns que outros, já cheirados,
Saem daquela galeria onde vários
Traficam, se prostituem, letrados
Em pó, ervas, gatilhos e orgasmos.
E, dentro da máquina dos mundializados,
Aqueles negrinhos têm espasmos
E não porque souberam, plugados
Na rede, que todos os negrinhos
Vão trocar os degraus dos sagrados
Templos pelas escadas que os sobrinhos
De tios ricaços e engravatados
Sobem atrás dessas garotas
De umbiguinhos, hum, delicados,
Complicadas e perfeitas, marotas
Desfilando nos corredores renovados
De prédios clássicos, históricos,
Sem ligar para telas, cinzelados
E os nuances das ruas, pictóricos
Menos que seus corpos burilados...
Para encerrar e já era hora
- Tá pra sair nova lista dos mais comprados -
O poeta volta para casa agora
E deixa livros, quadros e ruas assaltados.
(Matheus Fontella)